quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

O ELOGIO DA DÍVIDA - VOTOS PARA 2011

Sempre a contas com o tempo e a sua tirania, hoje de manhã, tinha já decidido dirigir-me a todos com um cordial “Bom Ano de 2011 a todos os clientes e amigos da Escrita(s) em dia”, assumindo para mim o passivo de ficar a dever-vos uma merecida mensagem de Ano Novo. Acontece que hoje, dia 30 de Dezembro de 2010, me cruzei, por mero acaso, com três pessoas que conheci em momentos diferentes da minha vida. Trocámos saudações, conversas de circunstância mais ou menos prolongadas, conforme o tempo de que cada um dispunha e seguimos viagem, depois de termos proferido votos mútuos de Feliz Ano Novo. Isto nada teria de interessante, não fosse o facto de todas elas se terem mostrado verdadeiramente preocupadas e empenhadas em saldar as suas pequenas dívidas antes da alvorada do novo ano. O que, ao princípio da tarde, me fez simplesmente sorrir à ideia divertida de não querer ofender o tempo, entrando no futuro com encargos herdados do passado. Só que isto de andar a escrevinhar (n)a vida transforma-nos, a prazo, numa espécie de matéria porosa e permeável que, mesmo sem querer, acaba por absorver por osmose pelo menos um pouco de tudo quanto paira em seu redor. Ia a tarde a meio quando me propus fazer eu própria o mesmo exercício de comparar “deves” e “haveres”. Felizmente, no plano material, a questão foi fácil de resolver. Movo-me no mundo dos remediados, logo, as minhas dívidas não são nem em número nem em montante suficiente para me tomarem muito tempo de reflexão. Como a maior parte delas teria forçosamente de transitar para o novo ano, o assunto ficou sumariamente encerrado. O pior é que, aos espíritos irrequietos como o meu, as ideias costumam acorrer como as cerejas: umas atrás das outras e quase sempre de aspecto irresistível e tentador. Vai daí, pus-me a cogitar nas minhas outras dívidas. As importantes. As pesadas. As de que me sinto realmente devedora. E que dificilmente algum dia poderei pagar...
Ao fim da tarde, uma extensa lista de credores cujos nomes iam de A a Z, com ocorrências repetidas em mais que uma letra do alfabeto ditava-me a sentença de “devedora em grande escala”. Confesso. O rol das minhas dívidas é longo. São dívidas de amizade. De solidariedade. De gratidão. Outras ainda a que nem sei que nome dar. De valor inestimável. E quase todas dessa natureza intangível que faz com que não admitam pagamento e com que me seja apenas possível ambicionar, quando muito, um dia poder retribuir a gentileza, porque nada poderá anular a dívida inicial.
A poucas horas do fecho de contas de 2010, escrevo esta mensagem para dizer que essas dívidas, faço questão de as levar comigo para 2011, para 2012, para 2013, para sempre... Com a única condição de não as deixar cair em esquecimento, sob pena de – aí sim! – incorrer em crédito mal parado. São, por assim dizer, as minhas dívidas de estimação, das quais, de resto, nem poderia separar-me porque a soma de todas elas representa grande parte da pessoa em que me tornei. Para o bem e para o mal.
Escrevo ainda para reafirmar a firme intenção que tenho de, em 2011, continuar a contrair sem restrições esta espécie de dívida franca e sem retorno, que agradeço sem dela me sentir refém e que me ajuda a acreditar que, apesar de tudo, nesta outra contabilidade de que falo, os investimentos raramente são a fundo perdido.
Escrevo porque me parece que dívidas destas são provavelmente o que de melhor podemos levar de um ano para o outro. E para agradecer a quem um dia repartiu comigo o capital que tinha, dizendo que muito me honra o facto de terem depositado em mim algo de seu e que me orgulho do privilégio de ter ficado a dever-lhes alguma coisa.
Escrevo, por último, para desejar que 2011 vos traga muitas contas para acertar. Porque estou em crer que estaremos tanto mais vivos quanto mais longa e movimentada for a conta-corrente que nos une aos outros.
Contas feitas, quando amanhã soarem as doze badaladas, a única coisa que já não devo a ninguém é a mensagem de Ano Novo para 2011. O resto do passivo mantém-se e promete crescer. Assim haja quem queira continuar a emprestar-me do que tem.

A si, que é certamente um dos nomes da também já longa lista de credores honorários da Escrita(s) em dia, desejo-lhe um grande Novo Ano.

Até lá!

Carla









1 comentário:

  1. A melhor mensagem de Ano Novo que li até agora, e já li algumas hoje...
    Feliz Ano Carla
    PM

    ResponderEliminar